quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O Triste Herói



Relembrar é viver, assim, nada melhor que trazer uma das histórias que melhor trabalhou a relação de Gwen-Peter-Mary Jane: Homem-Aranha Azul.

 Homem-Aranha Azul é a segunda parte de uma "trilogia" sobre os primórdios de alguns heróis da Marvel. A primeira foi a já lançada minissérie Demolidor Amarelo, a terceira investida é  Hulk Cinza.

Jeff Loeb e Tim Sale parecem ter se especializado em mostrar os heróis mais famosos dos quadrinhos no começo de suas carreiras, quando eram quase amadores - mesmo que esse não seja o enfoque principal da história em alguns casos, como em Batman Longo Dia das Bruxas, na sua continuação Dark Victory e nas já citadas séries da Marvel, quando é exatamente sobre isso que eles queriam tratar, como na minissérie sobre o Homem de Aço intitulada As Quatro Estações.

Suas histórias têm um certo ar de saudosismo, seja na estrutura dos roteiros, sejam nos cenários e vestuários, que acabam por nos remeter ao passado, enquanto paradoxalmente sempre acrescentam um novo elemento. O mesmo pode ser visto em Homem Aranha Azul, que retrata um dos melhores períodos da história do Aracnídeo, quando ele estava na faculdade morando com Harry Osbourne, apaixonando-se por Gwen Stacy, mas ainda assim sentindo-se um pouco atraído pela bela e audaciosa Mary Jane.



Foi exatamente nessa época (durante a década de 70) que a áurea de herói trágico e ao mesmo tempo humano do Aranha se consolidou. Se na sua origem a morte do Tio Ben e a culpa indireta de Peter no ocorrido já nos forneciam uma carga dramática poderosa, nas histórias da década de 70 (desenhadas magistralmente, em sua maioria, por John Romita Sr.) a trajetória do herói ganha um status de tragédia quase grega.

Peter se apaixona por Gwen e se torna amigo de Harry, que por sua vez namora Mary Jane, que tem uma queda por Peter. Mas não se resume apenas a isso: Harry, o melhor amigo de Peter, é na verdade filho do Duende Verde/Norman Osbourne, arquiinimigo do herói. Como se isso ainda não fosse o suficiente, as histórias dessa época ainda lidavam com temas polêmicos como discriminação racial, política e drogas, tornando-se um marco não apenas na trajetória de Peter Parker, mas na história das HQ's. A importância desse período ainda pode ser notada na grande influência que essas histórias tiveram na elaboração do roteiro dos filmes do Aranha, tanto os dois primeiros realizados por Sam Raimi (desconsidero o terceiro), mas principalmente nos filmes estrelados por Andrew Garfield e Emma Stone.



Como eu já havia dito, a história toda pode ser classificada como uma tragédia, pois Gwen morre nas mãos do Duende, talvez por culpa de Peter, e Harry assume o legado do pai, passando a odiar seu ex-melhor amigo. Muita água rolou depois disso: Peter casou-se com Mary Jane, Harry também morreu... Mas isso não vem ao caso, voltemos à série. Nela, temos o Peter de agora relembrando seu passado, uma época em que era feliz e não tinha noção da tormenta que o aguardava. Um Peter nostálgico, blue (triste), como nos lembra o título. Ele narra à sua amada Gwen seu passado em comum, ao qual não podem mais voltar, numa mistura de diário e "carta" de despedida.

 Se levássemos em conta a minissérie isoladamente, ela seria uma excelente história sobre um excelente herói. Entretanto, depois de começarmos a ler, ficamos com a ligeira impressão de que já vimos aquilo em algum lugar. E realmente vimos: na minissérie Demolidor Amarelo. Nela, Matt Murdock também se volta para o passado e para a sua amada e falecida Karen Page. Só que Matt escreve uma carta para desabafar, enquanto Peter utiliza um gravador. Se não fosse o triângulo amoroso Gwen-Peter-MJ, poderíamos pensar que não passa da mesma história com outros personagens.

Por que tantas similaridades entre as minisséries? Pura intencionalidade, pois a trilogia das cores traz a importância de suas mulheres na vida desses heróis.

No caso do Demolidor e do Aranha, já existiam, de antemão, outras confluências. Como muitos leitores já devem ter percebido, Matt e Peter têm muito em comum: a importância das figuras paternas em suas vidas (Ben Parker e Jack Murdock), a tragédia em suas vidas amorosas (as mortes de Gwen e Karen), seus romances com badgirls (Elektra e Gata Negra), alguns inimigos em comum (o Rei do Crime, por exemplo, arquiinimigo do Demolidor, surgiu nas histórias do Aranha), entre outros detalhes... Mas dizer que o Demolidor é uma versão mais cult do Aranha ou que o Aranha é uma versão mais comercial do Demolidor é esvaziar ambas as personagens. Afinal de contas, tanto Demolidor e Aranha possuem características próprias, fortes e marcantes. Talvez o ideal não seja negar essas semelhanças, mas explora-las. Loeb e Sale fizeram isso, assim como Kevin Smith fez (soberbamente, diga-se de passagem) em sua série sobre o Homem sem Medo. É fácil pensar em Murdock quase como um irmão mais velho e mais maduro de Peter, que já se fixou na vida adulta, enquanto Peter ainda começa a dar seus primeiros passos nesse sentindo.

Pensando assim, Homem Aranha Azul e Demolidor Amarelo são séries que se complementam, mesmo que não seja obrigatório ler uma para entender a outra.


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