sexta-feira, 26 de julho de 2013

Nascimento de um Herói



Aproveitando o lançamento de Wolverine - Imortal nos cinemas, nada melhor que lembra da Origem, entre tantas, do personagem. Claro que não vou falar daquele  o primeiro filme hediondo, mas da número da minissérie Origem, que junto com Arma X, supostamente inspirou o passado daquela abominação.

Origem prometeu desvendar o passado de Wolverine, o integrante mais popular dos X-Men. Bem, não necessariamente todo o passado dele, mas uma das partes mais importantes: as circunstâncias em que seus poderes se manifestaram pela primeira vez.



A série foi escrita por Paul Jenkins, que já havia feito um trabalho excepcional na minissérie Inumanos. A arte ficou por conta de Andy Kubert, velho conhecido dos fãs dos mutantes.

Quando Origem foi lançada nos Estados Unidosse tornou um sucesso absoluto de vendas. Seu lançamento gerou grande expectativa nos fãs, não apenas devido à popularidade do herói, mas também graças a toda aura de mistério que envolveu a personagem durante todos os anos que precederam a série.

Wolverine apareceu pela primeira vez em 1974, na revista The Incredible Hulk # 180. Criado por Len Wein, ele era originalmente um agente canadense que se envolve na luta entre Hulk e Wendigo. Pouco tempo depois, em 1975, com Chris Claremont assumindo as histórias dos X-Men (que aliás estavam em baixa na época), Wolverine volta à ativa. É na clássica Giant Size X-Men # 1 que ele faz sua reestréia, integrando os novos X-Men, juntamente com Tempestade, Noturno, Banshee, Pássaro Trovejante e Solaris. A missão do novo grupo era salvar a equipe original das garras de Krakoa, a ilha viva. 

A partir daí, o herói foi se tornando mais e mais popular, sendo o primeiro integrante do grupo a ter uma revista solo mensal. Tão popular e chamariz de vendas que foi membro ao mesmo tempo, durante um período, os X-Men, Vingadores e X-Force.

Não é também por acaso que ele foi a personagem de maior destaque no primeiro longa metragem dos X-Men. Os pessimistas e pseudo-intelectuais de plantão creditam seu sucesso ao fato de ele ser um herói violento e talvez amoral, que refletiria melhor os anseios e valores da "cética, confusa e cruel" era pós-moderna.

Quem pensa assim pouco ou nada conhece da personagem. A violência de/em Wolverine não é de modo algum injustificada. Ele não mata apenas por matar, e não pode ser classificado como um psicopata, ao contrário, por exemplo, do Justiceiro, outro herói tido como ultraviolento.

Wolverine cativa os leitores por não ser o típico herói clássico: bonzinho, puro e perfeito até a raiz dos cabelos. Logan é arrogante, sacana, irreverente, metido a durão, fã de uma boa briga e uma boa "cerva". Mas, ao mesmo tempo, é um sujeito de caráter, que valoriza e protege aqueles que ama. É alguém que luta contra um demônio interior, um cara culto que se faz de rude. Um samurai moderno com seu próprio código de honra.

Com exceção dos anos que passou com os X-Men, pouco se sabe com certeza sobre o passado de Logan. Algumas pistas e insinuações foram deixadas pelos roteiristas no decorrer dos anos (muitas delas desconsideradas pelos roteiristas posteriores), formando um quebra cabeças cujas peças são difíceis de se encaixar. O que se sabe é que, apesar de aparentar uns trinta e alguns anos, Wolverine é bem mais velho que aparenta, só não se sabe o quão mais velho.

Junto com o Capitão América, ele ajudou a resgatar a criança que se tornaria a Viúva Negra, durante a Segunda Guerra em Madripoor. Foi agente secreto ao lado de Dentes de Sabre e Marverick durante os anos 60, trabalhando também com Carol Danvers (ex-Miss Marvel, atual Capitã Marvel) e com os pais de Peter Parker, Richard e Mary. No clássico Arma X, de Barry Windsor-Smith, nos é revelado que ele foi capturado por uma agência secreta do governo canadense, que implantou o adamantium nos seus ossos, e cuja intenção era transforma-lo no protótipo do soldado perfeito.

Depois de fugir, ele foi encontrado por acaso(?) por James e Heather Hudson, que estavam em lua-de-mel na região. Coincidentemente(?), James trabalhava para uma agência do governo canadense, o Departamento H, e convence Logan a se tornar o líder da super equipe do país, a Tropa Alfa. Depois de um tempo, Wolvie se enche de ser mandado pelos grandalhões do governo, dá no pé e se junta aos X-Men. Além de toda essa trama de espionagem e conspiração governamental, sabe-se que Logan passou um tempo no Japão, estudando artes marciais e filosofia com Ogum, onde posteriormente se envolveu com a ninja Yukio e seu grande amor, Mariko Yashida, base do novo filme do herói. 

Ainda supostamente, ele esteve no velho oeste(?), quando enfrentou Dentes de Sabre pela primeira vez. O vilão supostamente matara a namorada do herói, a índia Raposa de Prata, que, num desses lances típicos da Marvel, reapareceu viva e como agente da Hidra. Somam-se a isso tudo outros incidentes conflitantes e confusos entre si.

A situação chegou a tal ponto que a solução dos roteiristas foi alegar que Wolverine passou por um processo de implantes de memórias. Aparentemente, ele, Dentes de Sabre, Marverick e Raposa Prateada foram todos cobaias de um experimento secreto e muito do que se lembram não passa da mais deslavada mentira.

Depois dessa novela toda, a maioria dos leitores já havia se conformado que o mistério sobre suas origens continuaria infinitamente insolúvel. Por isso, a publicação de Origem foi uma surpresa geral. Além dos anseios e curiosidades sobre a origem definitiva de Wolverine, havia o medo de que tal revelação destruísse todo o magnetismo da personagem.

O mais incrível de tudo é que a história de Jenkins conseguiu superar todas as expectativas, talvez com uma pequena exceção ao último volume, um pouco rápido demais para solucionar as pontas soltas deixadas no decorrer da trama.

Mas a forma madura como ele constrói tanto as personagens quanto a narrativa, e o final surpreendente do segundo capítulo, certamente nos fazem lamentar que Wolverine não se lembre de seu passado.

O começo da história, para quem ainda não leu, é mais ou menos assim: a jovem Rose, depois da morte dos pais, vai morar na mansão dos Howlett, a família mais rica da região. Sua função é cuidar do filho caçula, James, uma criança de saúde extremamente delicada. O patrão, John, pai de James, é extremamente bondoso com a criadagem; tem problemas em lidar com seus negócios e também com a reclusão da esposa, após a morte do primeiro filho, e com a intromissão constante de seu pai, um velho sovina e rude. Além de Rose e James, outra criança está sempre na mansão, Cão, o filho do jardineiro, o violento Logan. Inicialmente, as crianças se tornam amigas, o que de certa forma parecia até natural, mas as diferenças sociais e as circunstâncias não permitem a continuidade da amizade. Tudo isso é contado pela perspectiva de Rose.

É impossível não se lembrar de O Jardim Secreto quando se lê os primeiros capítulos de Origem: a estrutura de ambas as histórias é a mesma. Mas ao contrário de O Jardim Secreto, não existe uma redenção final encontrada no amor. As relações das personagens são inevitavelmente densas e tensas, os muros da mansão guardam funestos segredos e a tragédia futura é inevitável. Tudo isso gera um clima que acaba por envolver totalmente o leitor, e comentar mais alguma coisa acabaria por estragar todo o impacto da história.

O período em que se passa a história é impreciso, aparentando ser por volta de 1800 e alguma coisa, deixando ainda em suspense a verdadeira idade de Wolverine. A personagem Rose, com seus cabelos ruivos e olhos verdes, lembra, sem sombra de dúvida, Jean Grey, por quem Wolverine sempre nutriu uma paixão nada secreta. E a relação entre ela, Cão e James também nos remete aos triângulos amorosos protagonizados pelo herói, tanto com Jean e Scott (Ciclope), como com outra ruiva de sua vida, Heather, e seu marido James.

Origem é tudo o que não se espera de uma revista sobre super-heróis - mais que isso: é tudo que não se esperava da origem de Wolverine. É fantástica e surpreendentemente adulta e, muitos consideram, juntamente com Arma X, a melhor história já escrita sobre essa personagem tão carismática. Origem é obrigatória não apenas para os fãs dos X-Men e de Wolverine, mas especialmente para aqueles que não gostam do herói, pois serão presenteados com uma perspectiva totalmente diferente de Logan.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Cidadão Kurt



Tão importante quanto o parceiro do herói (quando ele existe), sua namorada (quando ela existe), seu passado (quando nos é revelado) e suas motivações, é a cidade onde o herói reside. É impossível não pensar em Batman sem pensar em Gotham City ou no Super-Homem sem Metropolis, no Starman sem Opal City ou nos heróis da Marvel sem Nova York. Mais do que ser o local onde o herói mora e vive suas aventuras, a cidade reflete aspectos da própria personalidade do seu notório morador. Gotham é sombria como Batman, Metropolis é clean como Super-Homem, e a Nova York da Marvel é um poço de diversidades e surpresas como os heróis que nela vivem.


Se uma cidade é assim tão importante e característica na vida de um herói, por que não escrever uma revista sobre uma cidade cujos heróis e outros moradores são importantes para a vida dela? Partindo desse ponto, Kurt Busiek, conhecido principalmente por seu trabalho na minissérie Marvels e nas séries Vingadores e Thunderbolts, criou a série e a cidade Astro City, publicada originalmente pela Wildstorm e a DC trouxe de volta pelo selo Vertigo no último mês.



Astro City é uma cidade que reúne em si todos os aspectos de suas antecessoras: é "dark" como Gotham, iluminada como Metropolis e diversificada como a Nova York da Marvel, entre outras qualidades. E um dos charmes da cidade (e da revista) reside exatamente nessa variabilidade de qualidades que torna, paradoxalmente, Astro City única.

Existe um dito tipicamente americano, muito comum em filmes noir, que diz que "existem milhares de histórias na cidade, essa é apenas uma delas". Pois Busiek inverte completamente esse conceito: para ele, se existem milhares de histórias na cidade (no caso, Astro City), por que contar apenas uma, por que não contar as milhares, ou pelo menos o máximo possível? E é isso que ele faz, e, dependendo do teor da história, um dos aspectos da cidade é ressaltado.

Extremo conhecedor da cronologia e das histórias das personagens de HQs, especialmente das duas maiores editoras do mercado, DC e Marvel, Kurt Busiek se utiliza disso na criação de suas personagens e histórias.
Não é por acaso que Samaritan lembra o Super-Homem, que Winged Victory remete-nos à Mulher Maravilha, Confessor e Altar Boy a Batman e Robin, que a Honor Guard seja a liga da Justiça de Astro City, que Jack-In-The-Box tenha um quê de Homem-Aranha e Demolidor, que a First Family, seja na sua composição, aparência, ou no nome (e iniciais) seja inspirada no Quarteto Fantástico (Fantastic Four). Ou até mesmo que o espírito denominado The Hanged Man, protetor da região de Shadow Hill, a colônia de imigrantes do leste europeu de Astro City, assombrada por espíritos e afins, tenha um modelo externo na figura do Desafiador (Deadman), da DC. Isso sem falar em muitos outros exemplos.

Ao contrário do que línguas ferinas e invejosas possam dizer, não se trata de plágio ou cópia. Essas semelhanças são intencionais. São uma forma de Busiek homenagear todos os heróis originais, ao mesmo tempo em que busca através disso explorar aspectos dessas personagens, em suas contrapartes de Astro City, que a estrutura comercial de suas revistas ou aspectos de suas intricadas cronologias não permitiriam.

Coisas tais como um herói extremamente poderoso como o Super-Homem, no caso o Samaritan, ser incapaz de viver uma vida normal como qualquer um de nós através de seu alter-ego, ou até mesmo encontrar prazer no uso de seus poderes, por estar por demais ocupado com as responsabilidades de salvar vidas e proteger inocentes que esses poderes lhe trazem. Ou ainda uma criança como Franklin Richards, filho do Sr. Fantástico e da Mulher-Invisível do Quarteto, representado na figura de Astra, filha de membros da First Family, podendo se sentir sozinha e isolada, apesar de todas as incríveis aventuras que vive com sua família, e cujo maior desejo seria conviver com outras crianças de sua idade.

Por vezes, os protagonistas das histórias não são heróis, mas cidadãos comuns de Astro City. Assim como fez em Marvels, através da figura do fotógrafo Phil Sheldon, Busiek mostra o ponto de vista da pessoa comum sobre os acontecimentos fantásticos que a cercam. Uma das melhores histórias nesse estilo fala das conseqüências de eventos, como Crise nas Infinitas Terras, na vida de uma pessoa normal.

Na época da  Wildstorm, através do selo Homage era desenhada por Bret Anderson. As capas e o visual das personagens ficavam a cargo de Alex Ross (O Reino do AmanhãMarvels). Ambos retornaram no relançamento pelo selo Vertigo.

A série já ganhou vários prêmios, inclusive o prêmio Eisner, a maior premiação das HQs. A Pixel trouxe alguns números para o Brasil, mas, infelizmente, não a série inteira.

Agora é torcer para a série fazer novo sucesso na Vertigo e, quem sabe, ser novamente publicada aqui pela Panini, pois realmente vale a pena visitar essa cidade, suas histórias e personagens.