sexta-feira, 6 de julho de 2012
Em palpos de Aranha (ou: como a Marvel descobriu que qualidade faz bem ao bolso, e evita que uma horda de fãs raivosos se volte contra ela)
Com a estréia de O Espetacular Homem-Aranha, nada melhor que dar uma voltinha no Túnel do Tempo e lembrar como dez anos atrás, Homem-Aranha (2002) deu, junto com os X-Men de Bryan Singer, o pontapé inicial para a era de ouro de adaptações de super-heróis para o cinema (claro que com vários tropeções no meio do caminho).
Durante anos, a Marvel amargou diversas adaptações live action de seus heróis, sejam filmes ou seriados de TV, que pouco ou nada tinham a ver com o original, além de serem de qualidade extremamente duvidosa, haja vista o filme do Dr. Estranho, o Quarteto do Roger Corman. Com X-Men - O Filme, o tabu finalmente foi quebrado. Mas, apesar de todas as qualidades do filme dos mutantes, o filme primeiro do Aranha conseguiu ser ainda melhor.
Criado por Stan Lee e Steve Ditko em 1962, Peter Parker, alter ego do herói, surgiu primeiramente no último número da revista Amazing Fantasy. A história fez tanto sucesso que logo depois a personagem ganhou título próprio. Parker, sem sombra de dúvida, revolucionou o conceito de super-herói. Não tanto pelo tipo de poder que possuía, mas por ser caracterizado como uma pessoa comum, com problemas, qualidades e defeitos como qualquer um de nós, apesar de suas habilidades sobre-humanas.
Peter é um típico nerd, "10 nos estudos/zero na vida", rejeitado por todos, mas amado pelos tios, que o criam desde a morte dos pais. Quando é picado por uma aranha radioativa - no filme, ela é geneticamente alterada - e ganha seus poderes, qual a primeira idéia do rapaz? Usar seus poderes em prol da humanidade? De forma alguma: como um mero e imperfeito mortal, ele resolve usar os novos e recém adquiridos poderes para conseguir uma graninha. E se não fosse por um ato impensado e egoísta de Peter, que resultou na morte de seu Tio Bem, ele nunca teria se tornado um herói nem seguiria o famoso lema "com grandes poderes vem grandes responsabilidades".
As histórias das revistas do Homem-Aranha sempre foram sobre Peter Parker, seus problemas, dúvidas e inseguranças, sobre sua culpa e busca de redenção. A empatia e identificação do leitor com a personagem eram/são imediatas e profundas. O primeiro grande acerto do filme foi exatamente compreender isso e contar a história de Peter Parker, concebendo o Homem-Aranha não como o aspecto principal de sua vida, mas como uma característica complementar, embora importante.
A começar pela narração em off feita por Peter no início e no fim da película, passando pela primeira cena em que vemos nosso herói correndo desesperado atrás do ônibus da escola, sem falar nas cenas em que começa a descobrir seus poderes, tudo é apresentado de modo que criemos um laço com a personagem. Não muito diferente do que ocorre nas HQs. E sem perceber, o espectador se vê irremediavelmente preso na teia de Parker.
Outro acerto foi a fidelidade com a essência da história do herói. Embora muitos fatos tenham sido modificados, como por exemplo Mary Jane e Peter se conhecerem desde crianças, ou Harry ser seu amigo desde o colégio (nas revistas, Parker conhece os dois na faculdade), ou a mais polêmica, a famosa teia orgânica, tudo o que vimos nos quadrinhos está lá: Tio Ben, Tia May, a paixão de Peter por M.J., a amizade de Peter e Harry e a insinuação do trágico futuro que os espera, a dualidade do Duende Verde/Norman Osbourne.
Resumir os quase quarenta anos da vida quadrinística do Homem-Aranha não seria fácil, e a solução do roteirista não poderia ter sido melhor: concentrar-se na história de sua origem e nas histórias de uma de suas melhores e mais importantes fases, durante a década de 70, com seus conflitos contra o Duende Verde que culminaram na morte da namorada de Peter, Gwen Stacy.
Tobey Maguire está perfeito como Peter Parker. Não poderiam ter escolhido um ator melhor, pois Maguire não é nenhum galã, mas não é nenhum "monstro do pântano", além de ser um ótimo ator. Ele expressa toda a densidade da personagem - consegue nos convencer de que é o Caxias rejeitado, o rapaz apaixonado, o sobrinho dedicado e o herói atrevido e bem-humorado, muitas vezes apenas com um único olhar. Ele não atua como Peter Parker, ele é Peter Parker.
Kirsten Dunst também está maravilhosa como Mary Jane. Embora na revista original ela não seja a primeira namorada de Peter (antes dela vieram Betty Brant e Gwen Stacy), é a escolha ideal para ser o par romântico do Aranha nas telas. Mary Jane é tão complexa e interessante quanto Parker: se por um lado é a garota mais popular da escola, sonha em ser atriz e está sempre pronta para um agito, por outro é uma garota carente e infeliz, fruto de um lar desestruturado. Sem falar no seu anterior envolvimento amoroso com Harry, que acrescenta um tempero mais dramático à trama. Tudo isso foi transposto de forma incrível para o filme, e Dunst caiu como uma luva para o papel.
A representação do Duende Verde feita por Willem Dafoe também merece elogios, assim como a retratação da personagem como um portador de distúrbio de dupla personalidade (Norman/Duende); ao mesmo tempo, essas personalidades se antagonizam e se completam. A armadura do Duende, dado o contexto como é apresentada no filme, é até aceitável, embora a máscara e o capuz das HQs tornem o vilão bem mais sinistro.
As cenas de ação parecem uma revista em movimento e são de tirar o fôlego. E talvez a sorte do aracnídeo tenha sido justamente aquilo que durante muito tempo acreditava-se ser sua maldição, pois se não fossem os rolos judiciais que atrasaram o projeto, o filme do Aranha não poderia ter acesso à tecnologia que na época já permitiu que as cenas do herói entre os prédios de Nova York parecessem tão convincentes.
Para os fãs de HQs também foi emocionante ver personagens secundárias como Flash Thompson, Betty Brant, Joe Robertson, e principalmente J. Jonah Jamenson (que parecia decalcado diretamente das revistas) no filme. Entretanto, o que custava manter o nome original do lutador que Peter enfrenta, o Crusher Hogan, que no filme é chamado de "Serra Ossos" Shaw?
Mas para não dizer que só elogiei o filme, é claro que houve certos aspectos que me desagradaram. Primeiro, aquela história meio Darth Vader do Duende - "Oh Aranha, junte-se a mim, pense no que poderíamos fazer juntos"... Por favor... Ele ainda nem sabia que o Aranha era Peter, o rapaz que ele considerava quase como um filho. Perdeu uma excelente oportunidade de se livrar do herói que lhe incomodava.
Outra foi a cena em que o Duende, agora já sabendo que Peter Parker e o Homem-Aranha são a mesma pessoa, ataca a Tia May, enquanto ela reza. Foi uma cena extremamente forçada e artificial. Olhem só que coisa "tosca": Tia May está rezando o "Pai Nosso", e quando chega no trecho "livrai-nos do mal", o Duende aparece, estourando o quarto dela, e grita "continue!" Então Tia May berra: "do maaaaaaaal!" Se o roteirista queria tornar a cena mais dramática, o que consegue mesmo é nos deixar constrangido com esse disparate. Aliás, que vilão mais frouxo! Só vai lá, assusta a velhinha, não faz mais nada e vai embora. Perdeu outra oportunidade de ouro de destruir o herói, caso tivesse matado Tia May.
A declaração de amor de M.J. para Peter também deixou a desejar. Não que seja difícil acreditar que ela seja apaixonada por ele, isso é óbvio desde o início do filme, menos para ela. A questão é que a declaração em si soou artificial, diretamente extraída das páginas de um exemplar de Sabrina. Poderia ter sido mais natural sem deixar de ser apaixonada. E para completar, não dá para deixar de citar a dispensável participação especial de Macy Gray, que participa da trilha sonora do filme: digna de Carlinhos Brown em Velocidade Máxima 2 e Caetano Veloso em Orfeu.
Mas apesar dos pesares, o Homem-Aranha ganhou uma adaptação cinematográfica que só pode ser descrita em uma única palavra: AMAZING!
O ápice da trilogia, sem sombra de dúvidas, é o segundo filme, com uma trama mais complexa que a do primeiro, cenas de ação mescladas com momentos de puro terror como o acidente que criou o Dr. Octopus, e uma das cenas mais emocionantes de uma adaptação de quadrinhos, quando Peter tenta parar o metrô e exaurido de cansaço, desmaia, sendo protegido pelos ocupantes do metrô.
Uma pena que no terceiro filme todos os ganhos dos anteriores se percam em um roteiro confuso, mal-amarrado, e personagens de tanto potencial como Mary Jane se esvaziem, o mesmo acontecendo com o próprio Peter, desdenhosamente chamado por todos nós de"Emo-Aranha"nessa última parte de uma franquia que tinha tanto potencial para se encerrar de forma épica.
Agora só nos resta saber se Andrew Garfield fará jus a Tobey Maguire, se O Espetacular Homem-Aranha será um filme digno de nota ou uma decepção para os fãs dos quadrinhos e do filme original.
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