Quem é a Mulher Gato, afinal?
A personagem surgiu em 1940, na revista Batman # 1 (curiosamente, o
Coringa também apareceu nessa edição), com o nome original "The Cat",
e não usava nenhum uniforme especial. Desde as primeiras histórias, The Cat já
era uma ladra e Batman sempre demonstrou certa complacência em relação à
felina: após recuperar os frutos do roubo de The Cat, Batman simplesmente deixa
a mocinha escapar. Seria amor bandido à primeira vista?
Durante um bom tempo, Bob Kane (criador do Batman e de grande parte das
personagens da série, juntamente com Bill Finger) tentou encontrar o visual
(usando a própria namorada como modelo) e o nome ideais para a personagem.
Depois de algumas aparições como The Cat, ela se transformou em Selina Kyle,
uma dona de lojas de animais que simplesmente decidiu se tornar ladra e mudou o
nome para Mulher Gato (Catwoman). Vestida com um esvoaçante vestido de seda e
portando um chicote, ela se tornou uma das personagens mais sexies da história
dos quadrinhos.
A maioria de seus crimes era relacionada com gatos e Selina nunca foi
nada mais que uma ladra. Não era necessariamente uma personagem "má",
mas sim uma aventureira que sentia um prazer especial em burlar a lei e trazer
dor de cabeça para o Morcegão.
Desde o início também ficou subentendida certa tensão sexual e um
atrativo romântico entre a Mulher Gato e o Batman. Talvez, na cabeça dos
criadores da personagem, nada melhor para pegar um rato voador do que um gato,
ou melhor, uma gata.
Com a onda de moralização que varreu os quadrinhos durante os anos 50, a
personagem acabou ficando um pouco para escanteio, até que, graças à batmania
deflagrada pela série de TV estrelada por Adam West (Batman) e Burt Ward
(Robin), a Mulher Gato voltou ao auge.
Na série, ela era vivida primeiramente pela atriz Julie Newmar. Na
imaginação da maioria dos fãs, nunca houve nem haverá uma Mulher Gato como
Newmar. Sexy e divertida, a versão da Mulher Gato vivida por Newmar não tinha a
dualidade moral da personagem dos quadrinhos. Ela era uma vilã, mas ainda assim
sedutora e carismática. Um femme fatale vestida em látex e com
orelhas de gato. Nem o Batman poderia resistir ao seu charme. O sucesso da personagem foi tanto que, nos
quadrinhos, a Mulher Gato passou a ser retratada fisicamente de forma
semelhante à personagem da série.
O sucesso do seriado do Batman também foi tamanho que decidiram fazer um
longa metragem com as personagens. Como a série, o longa era nada mais nada
menos que uma sátira exagerada ao universo dos Comics. No filme, um grupo de
vilões, formado pelo Coringa (Cesar Romero), Charada (Frank Gorshin), Pingüim
(Burgess Meredith) e Mulher Gato, decide atacar os líderes mundiais, cabendo à
dupla dinâmica impedir esse vil intento. Na época, Julie Newmar não estava
disponível, pois estava filmando O Ouro de MacKenna (famoso
pela cena em que ela aparece "nua"), e foi substituída quase à altura
por Lee Meriwether, uma ex-Miss América.
Na terceira temporada da série, saiu Julie Newmar e entrou a cantora
Eartha Kitt em seu lugar. A explicação oficial foi a de que Julie Newmar estava
com a agenda cheia no período. No entanto, segundo as más línguas, tudo não
passou de uma manobra para não deslocar as atenções do público para a Batgirl
como possível interesse romântico do Batman. Isso porque a Mulher Gato de
Eartha Kitt é muito mais cômica e exagerada que a protagonizada por Newmar.
Pouco tempo depois, também foi lançado um desenho animado estrelado por
Batman e Robin. Nele, o uniforme da Mulher Gato, apesar de verde, era inspirado
no do seriado. Ela era uma vilã propriamente dita, cercada de capangas e
dirigia um Gatomóvel e um Gatocóptero - todos com enormes orelhas de gato.
Nos quadrinhos, a personagem continuou sua vidinha básica de ladra
charmosa... Com algumas ressalvas. Na década de 70, no universo conhecido como
Terra 2 (uma cópia da Terra oficial da DC, no qual os heróis eram todos mais
velhos), Selina Kyle abandonou o mundo do crime e se casou com Bruce Wayne. Os
dois tiveram uma filha, Helena Wayne. Selina foi morta por um de seus
ex-parceiros de crime, o que levou Helena a se tornar a heroína Caçadora. Tal
história foi aproveitada anos depois na série de TV Birds of Prey (SBT e
Warner), estrelada pelas personagens Caçadora (Helena Kyle), Oráculo (Bárbara
Gordon) e Canário Negro (Dinah). Infelizmente, o seriado foi cancelado logo na
primeira temporada.
Mas eis que chegamos ao ano de 1985 e ocorre na DC Comics um mega evento
chamado Crise nas Infinitas Terras. Para quem não sabe, esta saga escrita por
Marv Wolfman e desenhada por George Perez teve como função arrumar o balaio de
gatos que se tornou a cronologia da DC com suas centenas de Terras paralelas.
As Terras foram fundidas numa só, e muitos personagens morreram ou foram
alterados.
A maioria das personagens clássicas da DC passou por reformulações em
suas origens, apesar de seus aspectos essenciais terem sido mantidos. Foi assim
com o Superman de John Byrne, a Mulher Maravilha de George Perez e o Batman de
Frank Miller.
Miller, que já havia escrito o aclamado Batman Cavaleiro das Trevas,
escreve Batman Ano Um em parceira com David Mazzucchelli
(desenhos, antigo parceiro de Miller em Demolidor) e Richard Lewis (cores). Batman
Ano Um, como o próprio nome diz, narra os infortúnios do Cavaleiro das
Trevas no seu primeiro ano de combate ao crime. Selina então é retratada como
uma sexy prostituta que decide abandonar o ofício para se tornar a ladra
mascarada Mulher Gato.
Logo em seguida foi lançado um especial intitulado Mulher Gato,
que reconta a origem da personagem. Inicialmente, Frank Miller escreveria o
especial, mas após um desentendimento do autor com a editora, Mulher
Gato passou para as mãos de Mindy Newell.
Newell aproveita toda a caracterização criada por Miller em Batman
Ano Um e elabora uma história paralela estrelada por Selina Kyle, aqui
uma prostituta de rua violentamente abusada por seu cafetão. Após passar um
tempo internada em um hospital, um policial a encaminha para o herói aposentado
Pantera Negra. Ele ensina Selina a lutar e a se defender. Depois disso, ela
decide abandonar a vida nas ruas, tornando-se a ladra conhecida como Mulher
Gato.
Certos aspectos dessa versão da heroína foram aproveitados por Jeph Loeb
nas suas séries O Longo Dia das Bruxas e Vitória Sombria que,
se observadas com atenção, podem ser consideradas quase como continuações de Batman
Ano Um.
Nos anos que se seguiram, o passado duvidoso de Selina Kyle como
prostituta foi deixado um pouco de lado, praticamente esquecido. Até tentaram
recontar sua origem após o evento Zero Hora (quase uma
continuação da Crise), praticamente excluindo os eventos referentes à vida de
Selina como prostituta.
Em 1992, Tim Burton dirige Batman - O Retorno, segundo filme
da franquia do Cavaleiro das Trevas no cinema. Aqui, Selina (vivida por
Michelle Pfeiffer, ao lado na foto) era secretária de Max Schreck (Christopher
Walken). Após descobrir uma de suas falcatruas, ela foi assassinada por ele.
Misteriosamente, é revivida por vários gatos, tornando-se a sexy vilã Mulher
Gato. Aliada ao Pingüim (Danny DeVito), ela coloca em ação um plano para
prejudicar Gotham City e Schreck, tendo o intento de se vingar do seu ex-chefe.
Como nos quadrinhos, existe uma forte atração entre a Mulher Gato e o Batman
(Michael Keaton), assim como entre seus alter-egos Selina Kyle e Bruce Wayne. A
atuação de Michelle Pfeiffer é marcante e torna a Mulher Gato tão sexy, dual e
carismática quanto à versão protagonizada por Newmar na série de TV. Ou talvez
muito mais.
A versão Mulher Gato de Pfeiffer impressionou tanto que a personagem foi
retratada loira no excelente desenho Batman The Animated Series (de
Paul Dini e Bruce Timm), tal como a atriz, ao invés de morena, como nos
quadrinhos. Somente depois de algumas temporadas é que a Mulher Gato passou a
ter seu cabelo moreno clássico de volta. No desenho, a identidade de Selina
como Mulher Gato é de conhecimento público e ela inclusive não é tão
"vilã" como em suas outras versões, sendo até retratada como uma
ativista de Direitos dos Animais. Na versão animada, ela era dublada por
Adrienne Barbeau.
Enquanto isso, nos quadrinhos, a Mulher Gato começou a ganhar mais
espaço dentro do universo do Morcego e passou a protagonizar sua própria
revista. Escrita por Jo Duffy e desenhada por Jim Balent, a versão da Mulher
Gato mostrada nessa série era muito mais aventuresca e bem humorada que a
sombria versão recriada por Miller.
Pouco tempo depois, a série foi reformulada. Muitas das pontas soltas
deixadas para trás, inclusive o passado de Selina Kyle como prostituta, foram
retomadas e novamente explicadas. O uniforme da personagem mudou outra vez e a
história enfatiza mais numa espécie de guerrilha urbana.
Loeb aproveitou bem essa "nova" Mulher Gato na sua mega saga Silêncio,
publicada no Brasil pela Panini e desenhada por Jim Lee. Nela, Loeb tentou
estreitar os laços entre a Mulher Gato e o Homem Morcego, tornando o romance
entre os dois ainda mais explícito.
Houve também o fatídico filme da Mulher Gato, estrelado por
Halle Berry. Nele, Patience Phillips é uma artista plástica frustrada que
trabalha como designer em uma companhia de cosméticos. Certo dia, ela descobre
que o novo produto a ser lançado pela empresa provoca, com o uso contínuo, a
deformação do rosto de suas usuárias. Assim, ela é assassinada por seus
patrões. Patience morre e é ressuscitada por vários gatos, meio que num ritual
felino. Poderes semelhantes aos de um gato lhe são transmitidos por uma felina
especial, mensageira da deusa dos gatos Bast, que lembra bastante a cena do
filme do Burton. A partir daí, Patience se torna a Mulher Gato, que não é
necessariamente uma heroína. E tenta desvendar o mistério envolvendo sua morte.
O filme se mostrou como uma bomba completa, com inúmeros equívocos reunidos.
Desde roteiro, passando por figurino, direção, edição, atuações, trilha sonora.
A história é mal escrita, cheia de furos e explicações completamente forçadas.
Não por acaso, foi o ganhador do Framboesa de Ouro de
2004, prêmio concedido aos piores filme do ano.
Em 2004 também estreou a série The Batman, cujo principal
idealizador foi Jeff Matsuda, responsável pelo consagrado desenho As
aventuras de Jackie Chan. A série durou até 2008 com um total de 65
episódios. Seu propósito era alcançar o público infantil, e, para isso mostrava
um Bruce Wayne mais jovem, de aproximadamente 20 anos, em seu começo de
carreira. O clima é muito mais leve que das série anteriores, se aproximando
muito mais do trabalho anterior de Matsuda que das animações anteriores do
Morcego. O designer dos personagem foi muito criticado entre os fãs,
especialmente o do Coringa.
Entretanto, apesar de bem mais morena que nas versões anteriores, a
Mulher Gato passou incólume. Seu uniforme remetia aos quadrinhos, apesar das
orelhas maiores que o usual. E sua caracterização era de uma aventureira que se
divertia em burlar a lei.
Apesar das ressalvas do público, a série ganhou seis vezes o prêmio
Daytime Emmy Awards.
Em 2008, foi lançada a série Batman: The Brave and The Bold (Batman: O Bravos e Destemidos),
também voltada para o público infantil. Baseada na clássica revista de mesmo
nome, suas histórias remetiam às aventuras exageradas e, por vezes nonsense, que o herói vivia no fim dos
anos 40 e nos anos 50, muitas vezes magistralmente desenhadas por Dick Sprang. Aliás,
o traço do artista inspirou o design da série. E a Mulher Gato, como a versão daquela época,
encarna novamente a ladra de vestido esvoaçante e chicote.
Nos quadrinhos, depois da gravidez de Selina Kyle e nascimento de sua
filha, nas histórias escritas por Ed Brubaker, Holly Robinson assumiu o manto
da ladra felina.
Robinson surgiu em Batman Ano Um. Ela
era uma jovem prostituta – aparentando
ser menor de idade – que morava com Selina Kyle. Depois de vários problemas,
Selina precisou deixar Holly com sua irmã, Maggie Kyle, uma freira.
Holly não se adaptou à vida no convento e acabou voltando para as ruas.
Em uma das versões da história, ela se casou com um milionário, sendo
assassinada por ele, fazendo com que Selina buscasse vingança pela morte da
amiga.
Ignorando esse fato – algo justificado, considerando-se os constantes reboots da cronologia da DC, Brubaker
fez de Holly uma viciada que reencontra Selina em sua velha vizinhança,
ganhando uma segunda chance.
Para explicar a ressurreição da moça, o autor se aproveitou de um dos
mencionados reboots, o Zero Hora, criando uma história extra
que explicou o retorno de Holly.
Durante um tempo, Holly teve um bom desempenho em sua vida de anti-heroína
até ser injustamente acusada de assassinato e ter se tornado uma fugitiva.
Em 2004, a série da Mulher Gato ganhou o GLAAD Media Award, prêmio da
Gay & Lesbian Alliance Against Defamation (GLAAD), por mostrar Holly
como lésbica de forma positiva e aberta.
Depois do relaunch realizado
pela DC Comics, reiniciando sua cronologia através dos títulos conhecidos como
os Novos 52, Selina Kyle se
consolidou novamente como Mulher Gato, e protagonizou uma das cenas mais
polêmicas desse recomeço, onde ela e Batman fazem sexo, ambos usando seus
uniformes.
Agora é a vez de Anne Hathaway assumir
a personagem nos cinemas, em Dark Knight
Rises, filme que fecha a série iniciada por
Christopher Nolan com Batman
Begins em 2005.
Seu uniforme é claramente uma homenagem ao visual de Julie Newmar na
série dos anos 60, adaptado para o universo pretensamente realista criado por
Nolan.
Muitos fãs duvidavam da capacidade da atriz em conseguir encarnar a
personagem. Depois da estreia do filme, público e crítica, em sua maioria, não
poupam elogios à moça, e os mais entusiasmados, cogitam uma indicação ao Oscar
pelo papel.
Só vendo o filme para ver conferir se esse alvoroço é justificável.
Contudo, é inegável que em quase todas as suas encarnações a Mulher Gato
sempre fascinou seus fãs não apenas por seu jeito sexy e um pouco selvagem, mas
pela sua força, carisma e dualidade moral. Enfim, uma personagem intrigante e
sedutora, essencial na Mitologia do Homem Morcego.
Também publicado no site Terra Zero: http://www.terrazero.com.br/2012/08/mulher-gato-em-teto-de-zinco-quente/