terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Feitiço de Estrelas





O texto abaixo contém spoilers


Pense em todos os super-heróis que você conhece. Pensou? Com certeza, a primeira coisa em que você pensou foi em alguém vestindo um colante colorido (no máximo da diferença, um básico preto), com superpoderes ou extremamente habilidoso, que enfrenta o crime constantemente, sem nem piscar diante do perigo. Pois esqueça tudo isso, o herói de quem vamos falar é totalmente diferente do que acabamos de descrever. Para começar, Jack Knight nem tem certeza se quer ser herói ou se nasceu mesmo para isso. Tudo o que ele quer é cuidar de suas loja de antigüidades (algumas bem exóticas, por sinal), a Knight's Past, ver e rever filmes antigos no vídeo, e, quando puder, fazer uma nova tatuagem. Mas, não se engane pelo jeitão de Jack: ele é mesmo um grande herói, e, mesmo depois de ter sido finalizada há alguns anos, a revista Starman continua sendo uma das melhores e mais consagradas publicações do gênero.

Starman foi brevemente publicado aqui no Brasil, primeiramente pela Editora Magnum em 97 e depois pela Tudo em Quadrinhos (TEQ), em 99. Em ambas as ocasiões suas revistas foram anunciadas como minisséries, e nenhuma das duas editoras se dispôs a dar continuidade à publicação, o que deixou os sortudos que adquiriram as revistas com água na boca e um desejo de "quero-mais". A Panini lançou uma edição de luxo com capa dura e prometeu lançar a série de forma mais contínua, contudo nada de continuarem até o momento.

A série foi escrita pelo talentoso escritor inglês James Robinson, cujos alguns dos trabalhos mais conhecidos são as duas minisséries Bruxaria, estreladas pelas Irmãs-Destino (personagens da série Sandman), Gavião Negro, Sociedade da Justiça e pelo período em que roteirizou as aventuras dos WildCATS, de Jim Lee. Robinson também trabalhou na Dark Horse (em histórias do Exterminador do Futuro), na Marvel (67 Seconds), e é autor da aclamada minissérie A Era de Ouro, que figura ao lado de Watchmen como uma das melhores histórias de super-heróis já escritas, e da simpática série Leave It to Chance, sobre uma adolescente metida em confusões com o sobrenatural.

Robinson começou a escrever Starman junto com o desenhista Tony Harris, criando Jack Knight, filho caçula do Starman original, Ted Knight. Jack já havia aparecido brevemente na série Zero Hora (1994), mas é em sua própria série que realmente passamos a conhecê-lo.

Mas o que Starman tem de tão especial? Bem além de ser uma série bastante premiada e consagrada nos Estados Unidos, ela é extremamente bem escrita, empolgante e cativante. Profundo conhecedor da história das HQs da DC, especialmente do período da Era de Ouro, Robinson constrói uma trama extremamente bem amarrada, na qual desde o primeiro número praticamente todos os detalhes da história de cada edição são importantes para a compreensão da história como um todo, como um enorme quebra-cabeças que aos poucos vamos montando. Além disso, ele teve a brilhante idéia de não desprezar as versões anteriores dos heróis, mas sim utiliza-los e interliga-los como se fossem uma grande e tradicional dinastia de heróis, tendo o primeiro Starman, Ted Knight, como seu patriarca.

Ademais, sua construção das personagens e de suas interrelações é impecável. Especialmente com relação ao protagonista, Jack Knight. Jack é a encarnação de quase tudo que um fã fanático e colecionador deve ser (coisa que a maioria dos leitor de quadrinhos é). Fanático por filmes antigos, especialmente filmes de horror B, e qualquer coisa antiga que seja colecionável (aliás, meio pelo qual se sustenta, já que é dono de uma loja de antiguidades, a Knight's Past), Jack é um cara descolado, que nunca quis ser super-herói, tem problemas com o pai e o irmão, é meio galinha mas ao mesmo tempo romântico, dá uma de durão, mas no fundo tem um coração de ouro. Enfim, um ser humano cheio de qualidades e defeitos como qualquer um de nós. Não dá para o leitor deixar de se identificar com ele.

Jack Knight é quase um alter-ego de James Robinson: ambos são fanáticos por cinema, em especial filmes antigos, além de Jack ser fascinado por antigüidades, enquanto Robinson é um apaixonado e profundo conhecedor da história da DC Comics e suas "antigüidades".

Como eu já disse, Jack nunca sonhou em ser um herói e continuar a tradição da família. Pra falar a verdade, achava esse lance de colante colorido o cúmulo da baranguice. Mas por força das circunstâncias, acaba tendo que assumir o manto de Starman, pois seu irmão mais velho, David, que era o herói da família na ocasião, é assassinado logo no início da série pelo filho do Névoa, um antigo inimigo de seu pai. Tudo isso era só parte de um plano maior do vilão: seus filhos, Kyle e Nash, destruiriam tudo o que Ted Knight amava e representava. E apesar de se tornar um herói, Jack Knight continua abominando uniformes de super-heróis; no máximo, se permite a uma jaqueta com uma estrela de xerife (dessas que vem em embalagem de cereal norte-americano) e óculos de proteção. Depois de derrotar o vilão e seus filhos, Jack, meio que a contragosto, continua seu trabalho como super-herói.
Mas na opinião dele, patrulhar cidades nem pensar: isso é coisa para a polícia, heróis são para situações de crise. E, como o próprio Ted costuma dizer, heróis atraem crises. Além disso, depois de se tornar herói, Jack não aprende de uma hora para a outra a ser um herói completamente seguro de si e profundo conhecedor de seus poderes. Ele vive metendo os pés pelas mãos e, apesar dos acertos, continua sem ter certeza se quer ser herói ou se nasceu mesmo para isso, o que dá certa consistência e credibilidade para a personagem.

E não é apenas a personagem principal da série que é bem construída e trabalhada: as coadjuvantes também se mostram bastante interessantes. Todas elas, mesmo as que não foram originalmente criadas por Robinson, são tão ambíguas, humanas e cheias de nuances como qualquer um de nós. Merecem serem citados Nash, a filha do Névoa, no início uma garota tímida e retraída, que se torna uma psicopata obcecada por Jack; Shade, um vilão mais ou menos regenerado; dos O'Dare, uma família de policiais, cuja amizade com os Knight vem da época em que Ted era herói; e Sadie Falk, o interesse amoroso do herói, que esconde um surpreendente segredo. E é claro, toda a galeria de antigos Starmen, que direta ou indiretamente estão ligados a Jack. Por isso mesmo vale a pena falar um pouco sobre cada um deles.

O primeiro Starman foi Ted Knight. Criado por Gardner Fox e desenhado por Jack Burnley, fez sua primeira aparição na revista Adventure Comics #61. Ted era um astrônomo, inventor, cientista, que construiu um bastão que conseguia absorver poder das estrelas, o bastão cósmico. Percebendo o constante surgimento de heróis e inspirado por sua prima, Sandra Knight (também uma heroína conhecida como Lady Fantasma), ele resolveu se tornar um herói, usando um uniforme vermelho com uma estrela como símbolo. Tornou-se membro ativo da Sociedade da Justiça - SJA, 1º grupo de Heróis da DC, junto com Homem-Hora, Flash, Mulher-Maravilha, Dr. Meia-Noite, Sandman, cujas histórias eram publicadas na revista All Star Comics. Ted Knight chegou a ter suas histórias publicadas no Brasil com o nome de O Estrela, na revista O Guri, a partir de 1943. Pela atual cronologia da DC, Ted ajudou a criar a bomba atômica durante a 2º Guerra e depois disso entrou em uma crise de depressão, chegando inclusive a ser internado em manicômios. Ele então abandonou o período de luta integral ao crime e se casou com Adele Doris. Durante a famosa Crise nas Infinitas Terras voltou à ativa, e foi jogado, junto com outros membros da SJA, no limbo para lutar no Ragnarok - para quem não sabe, a versão do fim do mundo na mitologia nórdica. Esse fato vai ser brevemente citado na revista Sandman, no arco de história Estação das Brumas. David então se tornou Starman, até que a SJA voltou do limbo em Armageddon: Inferno, publicada na Superpowers# 31. Com os eventos da minissérie Zero Hora, Ted foi envelhecido numa luta contra o Extemporâneo e aceitou David como seu sucessor.

O segundo Starman surgiu em 1951 do Universo DC, mas teve uma curta carreira. Foi publicado na Starman 80 Page Giant #1, e seu uniforme remete a uma antiga história do Batman, em que Bruce Wayne passa a ter fobia de morcegos e luta contra o crime usando o uniforme de Starman. Mas no decorrer da série, acabamos por descobrir que esse Starman é muito mais próximo da família Knight do que supomos.

O terceiro Starman, publicado pela Abril com o nome de Zênite, era o extraterrestre Mikaal Tomas, criado por Gerry Conway e Mike Vosburg. Veio para a Terra como membro de uma tropa invasora do planeta. Ele e sua namorada Lyysa passaram a lutar ao lado dos terráqueos, mas ela morreu e ele passou a viver na Terra. Acabou se envolvendo com drogas nos anos 70 e desapareceu, surgindo anos depois (1988) acorrentado, drogado e com amnésia em um circo de aberrações, sendo resgatado por Jack e tornando-se membro adotivo da família Knight.

O quarto e o quinto Starmen foram, respectivamente, o Príncipe Gavyn, criado por Paul Levitz e Steve Ditko, e Will Payton, criado por Roger Stern e Tom Lyle. Um era príncipe alienígena e foi atirado no espaço após sua irmã assumir o trono. Foi então resgatado e treinado por M'ntorr, de quem recebeu braceletes especiais que canalizavam energia cósmica, redirecionando-a como raios de calor ou energia. Acabou sacrificando sua vida para salvar seu planeta na Crise das Infinitas Terras. O outro era o jovem Will Payton, que ganhou seus poderes enquanto acampava e foi atingido por um raio vindo do céu. Algumas de suas histórias foram publicadas na DC 2000. Chegou a cruzar com David, em Opal City, na época em que este também usava o codinome de Starman. Foi dado como morto durante uma batalha com o vilão Eclypso. Entretanto, ele estava vivo e preso - pasmem - no planeta de Gavyn.

Em histórias não publicadas aqui no Brasil, descobrimos que Sadie Falk (que apareceu rapidamente por aqui em umas das revistas Starman da TEQ), namorada de Jack, é na verdade Jayne Payton, irmã de Will. Ela o convence a ir para o espaço, junto com Mikaal, resgatar Will. Descobrimos, no entanto, que quando o Príncipe Gavyn morreu, ele foi atraído para a Terra pelo bastão cósmico de Ted e se encarnou em Will quando ele foi atingido por um raio, ou seja, Will teria morrido e Gavyn assumiu seu lugar (ou não?). Robinson não deixa isso muito claro, e o próprio Will não aceita essa explicação. É provável que as memórias de Gavyn tenham sido implantadas em Will pelo M'nttor.

O sexto (e não menos importante) Starman foi David Knight, cuja primeira aparição se deu na revista de Will, a Starman v.1 #26 (1990). É o filho mais velho de Ted Knight, e morreu nas primeiras páginas de Starman v.2 #1. Em vida não foi muito amigo de Jack, chegando a ter inveja dele, mas agora, depois de morto, faz visitas anuais ao irmão, nas histórias conhecidas como Talking With David. A primeira delas sai aqui no Brasil na Starman #1, da TEQ.

O interessante é a forma como Robinson liga a história de todos os antigos Starmen com a de Jack. Jack é filho do primeiro, irmão do sexto, amigo do terceiro e cunhado do quinto (ou quarto, depende do ponto de vista) Starman !!!

Mas o que faz de Jack tão único e especial é sua própria personalidade: ele não é um cara super-certinho e extremamente rígido em questões éticas, ou um cara atormentado por seus demônios interiores, é só um cara comum, cheio de defeitos e dúvidas, capaz até de fazer besteiras por "um rostinho bonito", como ele mesmo diz. Igualzinho a qualquer leitor de HQ.

Se todas as informações acima ainda não te convenceram do quanto as aventuras de Jack Knight são especiais, tem ainda a arte do desenhista Tony Harris, mais estilizada que os desenhos de quadrinhos convencionais, e que ajuda a criar um clima envolvente para a história. A série já foi encerrada nos Estados Unidos na edição 75, não por uma baixa de vendas, mas porque Robinson também é adepto da teoria de que uma boa história tem começo, meio e fim, tecendo uma trama que de tão bem trabalhada e detalhada dispensa qualquer continuação.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. hey katchy(se você não gostar deu te chamar de katchy me avisa)eu não pude ler todo o post pois depois do primeiro parágrafo eu estava morrendo de vontade de comprar essa hq.

    infelizmente eu acho que eu vou ter que baixa-la pois como todos sabemos, o Brasil dificulta ao máximo a entrada desse tipo de coisas aqui, forçando os leitores a recorrer a ilegalidade.

    mas se por ventura toda a serie for lançada no brasil eu comprarei sem pensar duas vezes.

    sinceramente eu estou torcendo pela segunda opção...
    ...

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  3. Pode chamar de Katchy. ^^

    Sobre Starman, infelizmente, saiu muito picado e mal editado aqui no Brasil.

    Melhor tentar downloadar mesmo. Talvez vc encontre em alguma comunidade no Orkut. Tenta o blog HQ Vertigem também. Tem o Rapadura, mas esqueci o nome completo do site. ^^"

    Abração e obrigada mesmo por estar sempre por aqui!

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  4. Deu água na boca.Vou procurar agora mesmo.

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